quarta-feira, 21 de novembro de 2012

                                                                                                      
Fonte: Blog Livros e Bicicletas, visitado em 21/11/2012. Endereço:


Nos primórdios deste blog, escrevi um artigo sobre gênios que andam de bicicleta. Schrödinger, Niels Bohr, Einstein em sua famosa foto.

Catherine Hess vai além e afirma que todas as pessoas que andam de bicicleta são geniais. Ou dizendo de outra forma – sem apelar para a hipérbole: todo ciclista usa capacidades excepcionais do ser humano, ainda desconhecidas pela ciência.

E quem é Catherine Hess? Pesquisadora posgraduada em antropologia na Universidade de Bournemouth, cidade do litoral sul da Inglaterra. Catherine Hess ganhou esta semana a menção honrosa do prêmio Wellcome Trust science writing prize com o ensaio “As easy as ride a bicycle?”.



Eis a seguir o artigo, na íntegra, traduzido por mim. Os links internos levam a textos em inglês (que também serão traduzidos e postados aqui no blog):


Tão fácil como andar de bicicleta?
Catherine Hess

A maioria de nós se lembra da primeira bicicleta. É um rito de passagem, simbolizando nossa transição de criança “pequena” para criança “grande”. Ainda mais emocionante é o dia em que conseguimos dar o primeiro passeio sem rodinhas. O que a maioria de nós não percebe é quão complexa a arte de andar de bicicleta realmente é. Tão complexa, de fato, que pesquisadores estão apenas começando a investigar como é possível nós conseguirmos nos impulsionar em duas rodas finas, constantemente balançando para frente e para trás com o movimento de nossas pernas; simultaneamente nos deslocando por várias superfícies enquanto tentamos evitar inúmeros obstáculos.

Mais extraordinário ainda é o que o ato de andar de bicicleta pode nos dizer sobre o cérebro humano. Em 2010, pesquisadores da Holanda publicaram um dramático estudo de caso no New England Journal of Medicine. Médicos pesquisadores na Radboud University, em Nijmegen, examinaram pacientes que sofrem com a doença de Parkinson, uma doença neurológica que resulta em tremores e movimentos musculares involuntários. Em casos graves, o Parkinson afeta o equilíbrio, a coordenação e o controle de pernas e braços e pode deixar os pacientes incapazes de andar ou realizar tarefas básicas.

Um destes pacientes, um homem de 58 anos, sofreu o que os pesquisadores chamam de “congelamento da marcha”. Ele era incapaz de andar ao ponto de precisar de guias visuais para ajudá-lo a colocar um pé na frente do outro. Era incapaz de virar-se durante a caminhada. Depois de alguns passos o paciente perdia o equilíbrio e exigia sua cadeira de rodas.

Surpreendentemente, no entanto, este paciente ainda consegue andar de bicicleta. Impecavelmente. Este vídeo, apresentado com o estudo de caso publicado (e agora disponível no YouTube), mostra o paciente, com fortes tremores em seus braços, arrastando-se lentamente e erraticamente por um corredor, enquanto é guiado por outra pessoa. Após alguns passos, ele começa a tropeçar até cair no chão.

Num segundo vídeo, ele é visto andando de bicicleta com movimentos e equilíbrio perfeitos, os tremores acentuados em seus braços se foram e ele pedala num ritmo consistente e com perfeito equilíbrio e coordenação. Ele pedala longe da câmera, se vira e pedala de volta, reduzindo a velocidade até parar e desmonta perfeitamente. Uma vez desmontado, no entanto, é incapaz de caminhar.

Este fenômeno é chamado cinésia paradoxal. Embora os mecanismos envolvidos ainda não sejam compreendidos, o conhecimento é inestimável. Pode levar a novas formas de terapias e exercícios físicos para pessoas com doença de Parkinson ou outras doenças neurológicas que afetam o movimento, coordenação ou equilíbrio.

Atualmente, o “aviso da bicicleta” está sendo sugerido como uma maneira eficaz e barata para diferenciar entre o Parkinson e uma forma mais rara e atípica da mesma doença. Um modo de diferenciar as duas doenças é a capacidade ou a perda da capacidade de andar de bicicleta. Os indivíduos com Parkinson que sabiam andar de bicicleta antes do início dos sintomas mantêm a capacidade de pedalar. Aqueles com o Parkinson atípico não conseguem.

Mas como é possível um homem andar de bicicleta quando ele vive, na verdade, preso a uma cadeira de rodas? Mais admirável ainda, como é que alguém se adapta ao turbilhão sensorial que é andar de bicicleta? As equipes de investigação da Universidade da Califórnia, em Davis, nos Estados Unidos, e na Universidade de Delft, Holanda, estão tentando descobrir. O que eles descobriram é surpreendente.

Presumimos que andar de bicicleta é tão fácil como, bem, como andar de bicicleta, acontece, porém, que não é nada disso. Liderados pelos professores Mont Hubbard e Ron Hess, pesquisadores americanos estão tentando modelar as interações homem-bicicleta de forma semelhante às interações piloto-avião ou motorista-carro. No entanto, há muitos mais processos físicos e neurológicos envolvidos no andar de bicicleta do que dirigir um carro.


“Andar de bicicleta envolve o uso contínuo de todas as capacidades sensoriais primárias do ser humano, visual, vestibular [equilíbrio] e proprioceptivo [a consciência do próprio corpo e do posicionamento dos membros]“, diz Hess. “O último envolve sensores nos braços que fornecem informações sobre os estímulos de controle da direção. O que é mais interessante ainda é a capacidade dos ciclistas treinados para andarem de bicicleta ‘sem as mãos’”.

Uma pesquisa recente da Universidade da Califórnia, Davis, demonstrou como movimentos sutis do corpo do ciclista permitem fazer isto.

“Imagine tentar esta técnica de controle em um automóvel ou um avião”, diz Hess.

O objetivo desta pesquisa é entender como o ciclista interage com o meio ambiente e a bicicleta, e desenvolver bicicletas que maximizem o desempenho, para um ciclista do Tour de France ou um ciclista deficiente necessitando de maior estabilidade ou controle.

O que está claro a partir de pesquisas tanto sobre o cérebro humano quanto sobre a bicicleta é que, apesar da simplicidade da bicicleta, ainda temos muito que aprender sobre como conseguimos controlá-la, e o que acontece no cérebro quando fazemos isto. Nosso primeiro passeio vacilante de bicicleta, então, torna-se um evento muito mais extraordinário do que imaginávamos.

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